domingo, 31 de janeiro de 2010

“O papel da esquerda nessa eleição é não cair no jogo da engenharia política”



22/01/10



Membro da Direção Nacional do PCB, Mauro Iasi analisa os dilemas da esquerda para 2010


Por Júlio Delmanto


Dando continuidade à série “Eleições 2010”, a Caros Amigos entrevistou o doutor em Sociologia pela USP e professor da UFRJ Mauro Iasi. Membro da Direção Nacional do Partido Comunista Brasileiro (PCB), é autor de, entre outros livros, As metamorfoses da consciência de classe: o PT entre a negação e o consentimento, no qual analisa – à luz de Marx e Freud –o que seria, segundo o autor, o processo de adaptação do Partido dos Trabalhadores à lógica capitalista. Iasi esteve em São Paulo participando do Congresso Brasileiro de Estudantes de Comunicação Social (Cobrecos), onde concedeu entrevista sobre as perspectivas para as eleições presidenciais de 2010.


Caros Amigos - O que estará em disputa nas eleições desse ano?

Diretamente, o que acaba sobrando nessa disputa é determinado muito pela correlação de forças. Infelizmente, em 2010 o bloco conservador do Brasil está disputando a direção de um mesmo projeto, diferente de outros momentos em que havia uma polarização mais de fundo em relação a projeto. Em 2010 você tem um grande campo de consenso dentro do bloco conservador sobre os rumos imediatos da economia, sobre a imagem de futuro que se quer para o país e que foi se consolidando do mandato do Collor pra cá. Isso empobrece muito a discussão das eleições.

Esse consenso na macropolítica econômica, nos limites do possível, na ideia central de ajudar a acumulação capitalista no Brasil e, a partir desse desenvolvimento capitalista muito pontualmente incidir sobre a questão social como uma intenção de legitimar o desenvolvimento capitalista, empobrece muito, deixa ausente uma postura do campo popular, do campo de resistência. O que está em jogo também é a necessidade dos trabalhadores apresentarem propostas alternativas que consigam apontar os limites desse consenso.


Há alguma diferença entre os projetos de PT e PSDB?

Acho que há diferenças dentro de um campo em comum. Eles partem dos mesmos pressupostos, comungam da mesma leitura de Brasil, a ideia de que o desenvolvimento do país passa por um desenvolvimento capitalista e que o Estado brasileiro tem que desenvolver um forte apoio ao desenvolvimento do capitalismo monopolista no Brasil sem intervir diretamente no projeto econômico.

As diferenças entre esses dois campos acabam sendo das particularidades das construções partidárias de PT e PSDB e por onde eles podem se legitimar. Cada um tem uma ferramenta necessária à consolidação da ordem. Se a gente ler os textos do Banco Mundial a partir de meados da década de 90, a grande dificuldade de implementação do que se chamava de ajuste estrutural era não apenas controlar os organismos de governo, era criar consensos para legitimar de alguma forma o grande impacto negativo dessas reformas chamadas neoliberais. Esse texto afirma que os núcleos de resistência são as organizações de cúpula dos empresários, dos setores fisiológicos do congresso e de organizações dos trabalhadores. De certa maneira há uma divisão de trabalho aí, o PSDB tinha muito mais elementos para costurar essa governança conservadora junto às organizações de cúpula do empresariado e dos setores fisiológicos, por conta da aliança DEM-PSDB. Faltava exatamente incorporar essas organizações de cúpula dos trabalhadores para legitimar essa reforma, e o PT acaba cumprindo isso. Exatamente por essas funções diferentes dentro do plano geral do bloco conversador é que o PT precisa desenvolver uma estratégia de governo que busque se legitimar diante desses setores. Infelizmente, isso não faz com que se produza aí uma dinâmica dentro da qual o bloco popular consiga impor conquistas e demandas a esse governo. As diferenças não são suficientes pra retirar o governo Lula e o PT de dentro do bloco conservador.


Você acha que existe a possibilidade do PT se posicionar mais à esquerda para fazer essa diferenciação junto aos eleitores?

Pela dinâmica que está colocada nas eleições isso pode acontecer, mas muito pouco. As prioridades e as grandes preocupações do PT hoje são muito mais voltadas para atrair setores do PMDB que, ao que me consta, não são mobilizáveis por nenhuma inflexão mais à esquerda. Nos próprios movimentos sociais nós estamos pagando o preço dos últimos oito anos: como foi dado um voto de confiança ao governo, ele se sente muito tranqüilo para manter o pouco que deu até agora como meio de garantir esse apoio. De certa maneira, o governo trabalha com o entendimento de que esses setores estão neutralizados por conta da política desenvolvida, o diálogo com setores da esquerda é muito mais no sentido de ameaça, de perder o pouquíssimo que foi conquistado. É pouco provável que nesse momento o governo acene com uma inflexão mais à esquerda, como o apoio do PMDB é prioritário nesse momento a discussão tem sido feita de um ponto de vista muito menos programático.


E qual será o papel do Lula?

O Lula descolou-se da política brasileira, reproduzindo uma trajetória clássica na análise política. Ele vem como expressão da entrada em cena dos trabalhadores na década de 80 e faz parte do movimento que levará à formação do PT e da CUT como expressão dessa classe, mas pouco a pouco se descola disso, se tornando a figura clássica de uma liderança carismática que utiliza muito mais de seus atributos pessoais e de identificação direta da classe do que a organização com partidos e projetos políticos. Então, a popularidade e a aceitação do Lula e do seu governo é inversamente proporcional à própria força organizativa e programática do PT. Ele não cresce a partir do crescimento da organização própria e independente da classe mas pelo contrário, quanto mais ele cresce mais ele enfraquece isso, produzindo uma identidade pessoal com a figura do presidente e não com um projeto político.

Basta ver quantas vezes em dois mandatos a classe trabalhadora foi convocada, mobilizada, para tarefas de governo: nenhuma vez sequer. O governo optou por uma forma de construção política que na ciência política é chamada “presidencialismo de coalizão”, na qual as jogadas políticas são jogadas internas a esse critério palaciano dos bastidores. Os setores sociais raramente, ou nunca, são mobilizados para os enfrentamentos políticos. Então, o Lula acaba saindo do seu segundo mandato com uma popularidade alta, mas que não é transferível exatamente por ser colada na personalidade carismática do líder. O que se está tentando transferir é a luta de máquinas. O que beneficia o Lula é que as pessoas querem ter uma proximidade ao seu governo e isso facilita as alianças necessárias pra disputar as eleições, é isso que a Dilma leva de herança.


E como a esquerda deve se posicionar?

O papel da esquerda e dos movimentos populares nessa eleição é não cair nesse jogo do mero mecanismo e da engenharia política que acabou se cristalizando no Brasil. Nós estamos enfrentando o que poderia ser o final do primeiro governo popular numa total apatia, a discussão das eleições e das alternativas é meramente de nomes. O que seria fundamental é retomar a discussão programática, de que país precisamos, quais os limites desse modelo implementado e qual a perspectiva de futuro. Isso tem pouco espaço na engenharia da política eleitoral para 2010.


Mas você acha que essa retomada da discussão programática deve ser feita necessariamente através das eleições?

Infelizmente, parte do bloco de esquerda está capturada por essa forma conservadora das eleições, o que gera uma necessidade própria, de eleger deputado, de manter deputado... Isso necessariamente gera a necessidade de atingir coeficientes eleitorais, o que leva a alianças, o que faz com que cada vez o centro, que ao nosso ver seria o acúmulo programático, seja pouco a pouco substituído pela lógica das alianças meramente conjunturais, pela possibilidade de manter mandatos ou ampliar mandatos. Só isso que pode explicar, por exemplo, a aproximação, que agora parece pouco provável, entre o PSOL e a Marina Silva. E enquanto essas tentativas foram feitas, acabou se ocupando espaço da construção programática, o que faz com que agora a gente tenha pouco tempo, pois perdeu-se um tempo precioso.

É possível fazer esse acúmulo a partir das eleições? É, desde que você não pense as eleições de forma a cair nessa armadilha. Uma campanha nacional de partidos de esquerda, de movimentos sociais, que apresentasse uma crítica contundente e profunda a atual forma conservadora vigente e mobilizasse a população na defesa de seus interesses, cumpriria um papel mobilizador, esclarecedor, que permitiria aos trabalhadores recuperarem pouco a pouco sua independência. Apenas como uma forma de eleger um grupo de deputados para poder manter alguma máquina de mobilização para poder mobilizar para uma próxima eleição.

E tendo isso em vista, ainda há possibilidade da reedição da Frente de Esquerda (aliança entre PCB, PSOL e PSTU)?


A Frente de Esquerda hoje não está descartada, mas ela se atrasou muito por conta dessas indefinições que falávamos. No primeiro momento, a própria indefinição da candidatura da Heloísa Helena, o que abriu um vazio que deveria ser coberto exatamente por esse esforço de construção programática, mais do que a definição de um nome. A perspectiva da Frente de Esquerda no momento é muito pouca. Diante da indefinição de candidatura do PSOL, que de certa forma tinha uma boa perspectiva na pré-candidatura do Plínio Arruda Sampaio, vista com bons olhos na Frente mas que inexplicablemente a direção nacional não apostou nisso, deu inicio às negociações com o PV, e acabou se produzindo a candidatura do Zé Maria pelo PSTU. Nesse quadro, o PCB muito provavelmente lançará uma candidatura própria. Como a maior parte das convenções partidárias ocorrerá em março, isso pode se alterar se os partidos da Frente tiverem maturidade suficiente pra fazer dessa proposta uma discussão minimamente programática.


O curioso nessa aproximação de setores do PSOL com o PV é que eles parecem ter se esquecido de que o PV não tinha o menor interesse nessa aliança...

É, esqueceram de combinar com o PV... Pela lógica do PV, ele tem mais a perder do que a ganhar com uma aliança com o PSOL. O PV quer alguém que financie a sua campanha, o PSOL também, então do ponto de vista de estrutura de campanha a troca não seria benéfica para o PV. E eles tem menos problemas que os partidos de esquerda, pois como não partem de princípios muito sólidos, pode negociar com um campo muito mais amplo. Por ejemplo, no Rio de Janeiro ele vai para candidatura do Gabeira ao lado de PSDB e DEM. Em São Paulo ele se aproxima do PTB. Então, essas aproximações mostraram claramente o desenho político da candidatura da Marina Silva.

Nesse sentido, o PSOL fez um movimento difícil de compreender. A gente só pode entender essa aproximação com a Marina em cima da necessidade de obter uma campanha viável do ponto de vista do coeficiente eleitoral, para garantir a eleição de mandatos. É um movimento que eu vejo como errôneo, não só porque descaracteriza – acaba muito mais rapidamente do que a própria trajetória do PT mostrando uma adequação dos meios que acabam prejudicando os fins – mas também porque acho que do ponto de vista eleitoral é um equívoco.


Em 2006, o PCB apoiou Lula no 2º turno contra Alckmin. Na possibilidade muito provável de um 2º turno entre Dilma e Serra, qual será o posicionamento do partido?

A gente optou por votar no Lula contra o Alckmin, para depois permanecer na oposição a Lula. Essa é uma discussão que cada vez mais deve ser feita na política brasileira. O voto útil tem sentido diante da ameaça de um retrocesso, diante de uma luta de classes em que o setor centrista apresenta pelo menos a disponibilidade de uma negociação com uma abertura à esquerda. Não é o que nós temos visto. A Dilma é uma incógnita, ela é uma candidata que até agora teve uma trajetória praticamente burocrática, já entra direto no campo de governo, como administradora, e que ocupa um vazio deixado pela saída de cena do Zé Dirceu. Então, o grau de possibilidade que ela tem de ser sensível a demandas tem se apresentado muito menor do que o próprio Lula. Se há divergências no governo Lula, elas não se expressaram dentro da Casa Civil, que sempre foi um instrumento da política conservadora.

Num confronto direto entra uma suposta candidatura do Serra e a Dilma, a discussão do movimento socialista no Brasil será até que ponto as diferenças entre eles representariam a necessidade de um apoio, até porque em nenhum momento esse setor demonstrou a necessidade de ampliar suas alianças para um leque mais popular. Se for esse cenário, muito provavelmente a disputa eleitoral restrita ao campo conservador fará com que a gente se mantenha independente. O que nós precisamos fazer é superar a armadilha que nos tem levado a esse dilema. A grande questão é tornar mais nítido o campo político no Brasil. O fato de restar duas candidaturas não significa que a gente tenha que se basear na lógica do menos ruim. Na verdade, para a gente, as eleições de 2010 são parte de um longo processo que começou com a eleição do Fernando Henrique e que aponta para uma longa hegemonia conservadora. Se isso é verdade, uma posição agora momentânea de apoio não ajuda no acúmulo de forças das nossas tarefas mais adiante.


Você falou em presidencialismo de coalizão, isso seria uma opção do governo Lula ou a única forma possível de se chegar à presidência?

Uma vez optando por chegar ao poder eleitoralmente, o governo tinha legitimidade suficiente para poder criar rupturas...


Mas ele ia romper com quem financiou sua campanha?

Se você pegar a lógica eleitoral, ele chega com tal legitimidade ao governo que tinha como fazer, por exemplo, uma reforma política, um processo constituinte novo. Eu posso chegar ao governo com amarras e criar fatos políticos que me dêem melhores condições na disputa. Se a gente pegar os governos de frente popular na América Latina, sem entrar na caracterização deles, todos eles produzem reformas políticas de fundo e alterações constitucionais. Não é por acaso que o Brasil não faz isso. Então, a opção não é apenas a maneira de chegar ao poder, mas a maneira de manter-se no poder: optou-se pela eficiente máquina fisiológica de funcionamento do Estado. É eficiente esse método, só que é uma eficiência que mantém os limites da ação dentro da ordem.


Você falou que se perdeu um tempo precioso discutindo nomes ao invés de programa, mas, de forma mais geral, a esquerda não perde muito tempo com as eleições?

Perde. Na verdade, se a gente fizer uma análise dos últimos anos, a esquerda conseguiu avanços interessantes na luta social. Estivemos juntos em todas as lutas de resistência, no enfrentamento da crise, das demissões, na previdência, os trabalhadores pontualmente entraram em greve na defesa de seus direitos... Nessas lutas concretas a esquerda esteve junta, o que nos levou de um patamar de defensiva para um patamar de resistência, o que já é melhor. Agora, a eleição é um buraco negro, ela atrai tudo para a sua lógica. Faltou para certas organizações da esquerda uma maior maturidade para utilizar esse espaço não no sentido de acomodação.

Pensando na esquerda de forma mais ampla, nessas eleições você tem duas posições: de um lado o movimento social vai manter-se nas suas ações e vai ignorar o primeiro turno, e de um outro tem gente tão preocupada com as eleições que acaba fragmentando sua estratégia e a conexão com a tática imediata. Eu acho que são dois erros. A esquerda teria que ter maturidade para se manter firme em sua linha de resistência e acúmulo na construção de um pólo hegemônico e participar das eleições, transformando esse espaço numa possibilidade de apresentação dessas demandas, contrapondo o bloco conservador.


sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Eleições 2010... entrevista com Chico de Oliveira

Com a proximidade de mais um final de ano marcado por turbulências e escândalos que seguem a desmoralizar a política diante dos cidadãos, o país se prepara para adentrar mais um ano eleitoral. Com vistas a tratar dos cenários que devem se apresentar em 2010, o Correio da Cidadania conversou com o sociólogo Francisco de Oliveira, professor aposentado da USP.

Em seu entendimento, não veremos nada mais que um jogo de cartas já marcadas, no qual a programática estará descansando em um costado, dando lugar a meras disputas pelo poder, entre correntes que pouco ou nada se diferenciam. É inclusive esse cenário monolítico que conduz o debate para o lado rasteiro de baixarias e escândalos sempre frescos para o público.

Em meio a ideários que se repetem entre correntes outrora antagônicas, Chico de Oliveira ressalva apenas alguns avanços na assistência social (via que não lhe agrada de todo) e numa nova diplomacia nacional. No entanto, alerta que a oposição de direita ainda não se conscientizou de que, deixando desavenças e vaidades internas de lado, pode triunfar.

No que se refere ao que realmente se poderia sentir como novas ondas no mar, o sociólogo pernambucano desestima o fator Marina, sem fôlego para ir longe a seu ver. Por fim, critica duramente a possibilidade de não ser formada uma frente de esquerda similar à de 2006, classificando de "oportunismo e miopia política" uma aliança do PSOL com Marina.

Correio da Cidadania: Como analisa o quadro político brasileiro com 2009 chegando ao final e na perspectiva de um ano eleitoral pela frente?

Chico de Oliveira:

Vejo de forma bastante simples na verdade. O quadro já está desenhado, não vai mudar, salvo se o ‘vampiro medroso’ de fato não concorrer, o que não é de se esperar. É uma disputa eleitoral PT-SPDB. Mas só eleitoral, não haverá nada em jogo.

Coisas decisivas, o ponto de vista da economia e da sociedade, não estão nem um pouco em jogo. É por isso que a política tem ficado nessas firulas, ataques, artigo de César Benjamin... Porque realmente não tem nada importante em disputa, apenas o poder, este sempre importante.

O que a oposição de direita deve vir a fazer para tentar virar um jogo que se apresenta desfavorável a eles? Acredita que os escândalos e baixarias serão a estratégia explorada?

É essa a alternativa, pois ela não tem programa alternativo. O paradoxo é que o governo do PT realizou e radicalizou o programa tucano. Salvo algumas perfumarias na área social e na política diplomática externa, muito mais arejada, não tem muita diferença.

Dessa forma, os tucanos não podem atacar a própria criatura, restando a baixaria. Mas está muito difícil, porque o senador Azeredo teve sua denúncia aceita pelo STF e agora Arrudão jogou a pá de cal. Mas o embate vai se desenrolar por esse caminho mesmo, já que no mais eles estão todos de acordo.

Como se encaminha o governo Lula para as disputas de 2010? Acredita que suas bases de sustentação se manterão firmes?

Não, isso ainda não está garantido. Não existe na experiência da história política brasileira nenhuma transferência de votos desse porte. É verdade que a redemocratização ainda é curta, apenas 20 anos, mas, numa experiência anterior, Juscelino, no auge de sua popularidade, não conseguiu eleger seu sucessor.

Não há nada garantido, Dilma não pode ter a certeza da transferência de votos de Lula, ainda que se use a máquina do Estado o quanto puder. Principalmente se os tucanos acordarem e se conscientizarem de que, marchando desunidos como quinta coluna do Aécio, serão derrotados; marchando unidos, têm uma chance alta de derrotar o Lula.

Alta?

Alta, pois os colégios eleitorais de São Paulo e Minas Gerais engolem o resto do Brasil.

No fundo, podemos considerar que dá na mesma PT ou PSDB no governo, ou poderia haver uma diferença, mesmo que sutil?

É difícil responder a essa pergunta, porque para os pobres evidentemente faz diferença o Bolsa Família, embora eu não goste do programa. Mas não posso negar que quem tem fome precisa comer. E também tem uma política externa através da diplomacia que é importante para outros países da região, como Venezuela, Bolívia, Equador, que têm tentado vias democráticas muito particulares. Para eles, o Brasil é uma garantia, seria importante manter e até ampliá-las.

Há alguma diferença; no entanto, no marco mais geral, ela é menor.

Como enxerga a possibilidade da candidatura Marina? Servirá para arejar ou para distrair, sem incomodar o viciado jogo institucional?

Eu acho que ela não vai ter essa votação toda. Quando chegar a reta final e os ânimos estiverem exacerbados, a candidatura da Marina vai murchar, porque os eleitores sabem que ela não é a alternativa. Não tem força para se colocar como tal. Esse discurso verde não pega muito. Ela é muito simpática e ecologista, mas isso não faz um presidente.

Tenho a impressão de que, quando chegar a reta final, ela perderá espaço.

Algum partido de esquerda pode ser alternativa no debate?

No debate sim, mas como alternativa real não há nenhum partido de esquerda. Nem PSOL, nem PCB, nem PSTU... Minha própria posição é de que esses três partidos de esquerda deveriam formar uma frente e reproduzi-la, a fim fazer uma crítica e reapresentar o programa do socialismo à cidadania brasileira.

Trata-se de reapresentar para fazer uma crítica rigorosa, aproveitando o momento eleitoral para isso, mas sem nenhuma chance real de chegar ao governo. Aliás, é bom que Deus nos proteja, porque, se chega a governar um país como esse sem bases políticas reais, não demora um mês no poder.

E a polêmica interna ao PSOL acerca de se lançar candidatura própria ou se aliar a Marina, como enxerga?

Creio ser oportunismo do ponto de vista de quem não quer ter candidatura própria. Em primeiro, porque pensam que a Marina terá um alto desempenho, a exemplo da Heloisa Helena em 2006. Não vai. A impressão que tenho é de que a Marina vai murchar e a Heloisa não vai trocar uma cadeira certa no Senado pela incerteza. Vejo isso, portanto, como oportunismo e falta de visão estratégica.

Em segundo lugar, porque apresentar uma candidatura própria não tira os votos que eleitores do PSOL vão direcionar para eleger deputados com os quais eles já contam. Acho isso uma aventura irresponsável e miopia política.

Fidel Castro comenta os resultados de Copenhage

A mudança climática já está causando considerável dano e centenas de milhões de pobres estão sofrendo as conseqüências. Os centros de pesquisas mais avançados asseguram que resta muito pouco tempo para evitar uma catástrofe irreversível. James Hansen, do Instituto Goddard da NASA, assegura que um nível de 350 partes do dióxido de carbono por milhão é ainda tolerável; hoje, no entanto, o nível ultrapassa a cifra de 390 e aumenta cerca de 2 partes por milhão cada ano, ultrapassando os níveis de há 600 mil anos. As últimas duas décadas foram, cada uma delas, as mais calorosas desde que se têm notícias do registro. O mencionado gás aumentou 80 partes por milhão nos últimos 150 anos.

O gelo do Mar Ártico, a enorme capa de dois quilômetros de espessura que cobre a Groenlândia, as glaciais da América do Sul que nutrem suas fontes principais de água doce, o volume colossal que cobre a Antártida, a capa que diminui do Kilimanjaro, os gelos que cobrem o Himalaia e a enorme massa gelada da Sibéria estão derretendo visivelmente. Cientistas notáveis temem saltos quantitativos nestes fenômenos naturais que originam a mudança.

A humanidade pôs grandes esperanças na Cúpula de Copenhague, depois do Protocolo de Quioto assinado em 1997, que entrou em vigor o ano 2005. O estrondoso fracasso da Cúpula deu lugar a vergonhosos episódios que requerem o devido esclarecimento.

Os Estados Unidos, com menos de 5% da população mundial, emite 25% do dióxido de carbono. O novo presidente de Estados Unidos tinha prometido cooperar com o esforço internacional para enfrentar um problema que afeta tanto esse país como o resto do mundo. Durante as reuniões prévias à Cúpula, ficou evidente que os dirigentes dessa nação e os dirigentes dos países mais ricos manobravam para fazer cair o peso dos sacrifícios sobre os países emergentes e pobres.

Grande número de líderes e milhares de representantes dos movimentos sociais e instituições científicas decididos a lutar por preservar a humanidade do maior risco de sua história, acudiram a Copenhague, convidados pelos organizadores da Cúpula. Eximo-me de referir a detalhes sobre a brutalidade da polícia dinamarquesa, que atacou contra milhares de manifestantes e convidados dos movimentos sociais e cientistas, e me concentro nos aspectos políticos da Cúpula.

Em Copenhague reinou um verdadeiro caos e aconteceram coisas incríveis. Não foi permitido que os movimentos sociais e instituições científicas assistissem aos debates. Houve chefes de Estado e governo que não puderam sequer emitir suas opiniões sobre problemas centrais. Obama e os líderes dos países mais ricos se apossaram da conferência com a cumplicidade do governo dinamarquês. Os organismos das Nações Unidas foram relegados.

Barack Obama, que chegou no último dia da Cúpula para permanecer ali só 12 horas, se reuniu com dois grupos de convidados escolhidos “a dedo ” por ele e seus colaboradores. Junto de um deles se reuniu na sala do plenário com o resto das mais altas delegações. Fez uso da palavra e foi embora imediatamente pela porta traseira. Nesse plenário, exceto o pequeno grupo selecionado por ele, foi proibido aos demais representantes dos Estados fazer uso da palavra. Nessa reunião, os presidentes da Bolívia e da Venezuela puderam falar, porque ao Presidente da Cúpula não restou outra alternativa que conceder-lhes o uso da palavra, ante o apelo enérgico dos presentes.

Em outra sala contígua, Obama reuniu os líderes dos países mais ricos, vários dos Estados emergentes mais importantes e dois muito pobres. Apresentou um documento, negociou com dois ou três dos países mais importantes, ignorou a Assembléia Geral das Nações Unidas, ofereceu entrevistas coletivas, e se marchou como Julio César em uma de suas campanhas vitoriosas na Ásia Menor, que o levou a exclamar: Cheguei, vi e venci.

O próprio Gordon Brown, Primeiro-Ministro da Grã-Bretanha, tinha afirmado no dia 19 de outubro: “Se não entramos em um acordo no curso dos próximos meses, não devemos ter dúvida alguma que, uma vez que o crescimento não controlado das emissões tenha provocado danos, nenhum acordo global retrospectivo em algum momento do futuro poderá desfazer tais efeitos. Para isso então será irremediavelmente tarde.”

Brown concluiu seu discurso com dramáticas palavras: “Não podemos dar-nos o luxo de fracassar. Se fracassamos agora, pagaremos um preço muito alto. Se atuamos agora, se atuamos de conjunto, se atuamos com visão e determinação, o sucesso em Copenhague estará ainda a nosso alcance. Mas se fracassamos, o planeta Terra estará em perigo, e para o planeta não existe um Plano B. ”
Mas declarou com arrogância que a Organização das Nações Unidas não deve ser tomada como refém por um pequeno grupo de países como Cuba, Venezuela, Bolívia, aNicarágua e Tuvalu, ao mesmo tempo em que acusa a China, a Índia, o Brasil, a África do Sul e outros Estados emergentes de ceder às seduções dos Estados Unidos para assinar um documento que lança ao cesto de lixo o Protocolo de Quioto, que não contém compromisso vinculativo algum por parte de Estados Unidos e seus aliados ricos.

Sou obrigado a lembrar que a Organização das Nações Unidas nasceu há apenas seis décadas, depois da última Guerra Mundial. Os países independentes não ultrapassavam então a cifra de 50. Hoje a integram mais de 190 Estados independentes, depois que o odioso sistema colonial deixou de existir pela luta decidida dos povos. À própria República Popular da China durante muitos anos foi negada sua participação na ONU, e um governo títere ostentava sua representação nessa instituição no seu privilegiado Conselho de Segurança.

O apoio tenaz do crescente número de países do Terceiro Mundo foi indispensável no reconhecimento internacional da China, e um fator de grande importância para que os Estados Unidos e seus aliados da OTAN reconhecessem seus direitos na Organização das Nações Unidas.

Na heróica luta contra o fascismo, a União Soviética realizou a maior contribuição. Mais de 25 milhões de seus filhos morreram, e uma enorme destruição assolou o país. Dessa luta emergiu como superpotência capaz de dar o contrapeso em relação ao domínio absoluto do sistema imperial dos Estados Unidos e as antigas potências coloniais para o saque ilimitado dos povos do Terceiro Mundo. Quando a URSS se desintegrou, os Estados Unidos estendeu seu poder político e militar para o Leste, até o coração da Rússia, e sua influência sobre o resto da Europa aumentou. Não há novidade no que aconteceu agora em Copenhague.

Desejo sublinhar o que há de injusto e ultrajante nas declarações do primeiro-ministro da Grã-Bretanha e na tentativa ianque de impor, como acordo da Cúpula, um documento que em nenhum momento foi discutido com os países participantes.

O Chanceler de Cuba, Bruno Rodríguez, na coletiva de imprensa oferecida no dia 21 de dezembro, afirmou uma verdade que é impossível negar; empregarei alguns de seus parágrafos textuais: “Gostaria de enfatizar que em Copenhague não houve acordo algum da Conferência das Partes, não se tomou nenhuma decisão com relação a compromissos vinculativos ou não vinculativos, ou de natureza de Direito Internacional, em modo algum; simplesmente, em Copenhague não houve acordo”
“A Cúpula foi um fracasso e um engano à opinião pública mundial. [...] ficou nítida a falta de vontade política…”

“…foi um passo atrás na ação da comunidade internacional para prevenir ou mitigar os efeitos da mudança climática…”

“…a média da temperatura mundial poderia aumentar em 5 graus…”
De imediato nosso Chanceler acrescenta outros dados de interesse sobre as possíveis conseqüências de acordo às últimas investigações da ciência.
“…desde o Protocolo de Quioto até o momento as emissões dos países desenvolvidos se elevaram 12,8%… e desse volume 55% corresponde aos Estados Unidos.”

“Um norte-americano consome, em média, 25 barris de petróleo anuais, um europeu 11, um cidadão chinês menos de dois, e um latino-americano ou caribenho, menos de um. ”

“Trinta países, incluídos os da União Européia, consomem 80% do combustível que se produz”. O fato é que os países desenvolvidos que assinaram o Protocolo de Quioto aumentaram drasticamente suas emissões. Querem substituir agora a base adotada das emissões a partir de 1990 com a do ano 2005, com o qual os Estados Unidos, o máximo emissor, reduziria a só 3% suas emissões de 25 anos antes. É uma desavergonhada burla à opinião mundial.

O Chanceler cubano, falando em nome de um grupo de países da ALBA, defendeu a China, a Índia, o Brasil, a África do Sul e outros importantes Estados de economia emergente, afirmando o conceito alcançado em Quioto de “responsabilidades comuns, mas diferenciadas, quer dizer que os acumuladores históricos e os países desenvolvidos, que são os responsáveis desta catástrofe, têm responsabilidades diferentes às dos pequenos Estados insulanos ou às dos países do Sul, sobretudo os países menos desenvolvidos…”

“Responsabilidades quer dizer financiamento; responsabilidades quer dizer transferência de tecnologia em condições aceitáveis, e então Obama faz um jogo de palavras, e em vez de falar de responsabilidades comuns, mas diferenciadas, fala de ‘respostas comuns, mas diferenciadas'.” “abandona o plenário sem dignar-se a escutar a ninguém, nem tinha escutado a ninguém antes de sua intervenção.”
Em uma coletiva de imprensa posterior, antes de abandonar a capital dinamarquesa, Obama afirma: “ Produzimos um importante acordo sem precedente aqui em Copenhague. Pela primeira vez na história, as maiores economias viemos juntas para aceitar responsabilidades”.

Na sua clara e irrebatível exposição, nosso Chanceler afirma: “Que quer dizer isso que ‘as maiores economias viemos juntas para aceitar responsabilidades'? Quer dizer que estão descarregando um importante peso da carga do financiamento para a mitigação e a adaptação dos países sobretudo do Sul à mudança climática, sobre a China, o Brasil, a Índia e a África do Sul; porque é preciso dizer que em Copenhague aconteceu um assalto, um assalto contra a China, o Brasil, a Índia, a África do Sul e contra todos os países chamados eufemisticamente em desenvolvimento.”

Estas foram as palavras contundentes e irrebatíveis com as quais nosso Chanceler relata o sucedido em Copenhague.

Devo acrescentar que, quando às 10 da manhã do dia 19 de dezembro nosso vice-presidente Esteban Lazo e o Chanceler cubano tinham ido embora, se produziu a tentativa tardia de ressuscitar o morto de Copenhague, com um acordo da Cúpula. Nesse momento não estava lá praticamente nenhum chefe de Estado nem mesmo ministros. De novo a denúncia dos membros das delegações de Cuba, Venezuela, Bolívia, Nicarágua e outros países derrotaram a manobra. Assim finalizou a ingloriosa Cúpula.

Outro fato que não se pode esquecer foi que nos momentos mais críticos desse dia, já de madrugada, o chanceler de Cuba, em união das delegações que travaram sua digna batalha, ofereceram ao Secretário-Geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, sua cooperação na luta cada vez mais dura, e nos esforços que devem ser levados a cabo no futuro para preservar a vida de nossa espécie.
O grupo ecológico Fundo Mundial para a Natureza (WWF) advertiu que a mudança climática ficaria fora de controle nos próximos 5 a 10 anos, se não forem diminuídas drasticamente as emissões.

Mas não é necessário demonstrar o essencial do que aqui se afirma sobre o que fez Obama.

O Presidente de Estados Unidos declarou na quarta-feira 23 de dezembro que as pessoas têm razão em estar decepcionadas pelo resultado da Cúpula sobre a Mudança Climática. Em entrevista pela corrente de televisão CBS, o governante indicou que “‘em vez de ver um total colapso, sem que tivesse feito nada, ou que tivesse sido um gigante retrocesso, pelo menos pudemos manter-nos mais ou menos onde estávamos'…”

Obama – afirma a agência de notícias - é o mais criticado por aqueles países que, de forma quase unânime, sentem que o resultado da Cúpula foi desastroso.

A ONU agora está em um aperto. Pedir a outros países que adiram ao arrogante e antidemocrático acordo seria humilhante para muitos Estados.

Continuar a batalha e exigir em todas as reuniões, particularmente as de Bonn e do México, o direito da humanidade a existir, com a moral e a força que nos outorga a verdade, é, no nosso julgamento, o único caminho.

Estado brasileiro pouco avançou na reforma agrária

Robson Braga - Adital

O Estado brasileiro pouco avançou nas políticas voltadas ao campo. Algumas medidas pontuais não foram suficientes para solucionar questões como a reforma agrária, que exige estratégias amplas para a desapropriação das terras improdutivas espalhadas pelo país. A avaliação foi feita, em entrevista à Adital, por Marina dos Santos, uma das coordenadoras nacionais do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Marina cita nomes de legisladores e magistrados do Brasil como responsáveis pela perseguição ao MST, que, em sua avaliação, acentua-se a cada ano. No último dia 9, o Congresso Nacional criou uma comissão parlamentar mista de inquérito (CPMI) para investigar supostos repasses ilegais do governo federal para o movimento. A medida tenta "inviabilizar qualquer avanço da reforma agrária, destruir os movimentos sociais do campo e impedir a realização de lutas sociais pela classe trabalhadora", afirmou Marina.

Na avaliação da coordenadora do MST, a bancada ruralista do legislativo federal tenta impedir a atualização dos índices de produtividade das terras brasileiras, atrasados há 29 anos. Muitas fazendas que, à época, eram consideradas produtivas hoje podem estar sendo subutilizadas pela iniciativa privada, impossibilitando que a agricultura familiar supra as necessidades alimentares do país.

Adital - Em 2009, houve avanços com relação à reforma agrária no Brasil? Que pontos a senhora destacaria das políticas adotadas pelo governo federal nesse sentido?

Marina dos Santos - Não houve muitos avanços concretos. O ritmo da criação de assentamentos está quase parado e não foram implantadas novas políticas para industrialização dos alimentos e geração de renda nas áreas da Reforma Agrária. Depois do acampamento em Brasília que fizemos em agosto, o governo federal anunciou mais uma vez a atualização dos índices de produtividade, que servem de referência para a desapropriação de latifúndios, que ainda não foi efetivada. Prometeu também reverter o corte no orçamento da Reforma Agrária por conta da crise econômica, que aconteceu em parte.

De concreto, tivemos uma vitória com a desapropriação da fazenda Nova Alegria, onde aconteceu o Massacre de Felisburgo, em 2004, e o aumento do crédito para moradias em assentamentos. Infelizmente, os assentamentos do governo são criados para resolver conflitos isolados, em vez de constituir um programa amplo para acabar com o latifúndio e combater a concentração de terras.

Adital - Desde sua fundação, o MST é perseguido politicamente por latifundiários, agentes políticos ruralistas e setores da mídia. Em 2009, essa perseguição foi acentuada?

Marina dos Santos - O nosso movimento vem sofrendo uma ofensiva violenta dos setores mais conservadores no país, que estão articulados em frações do Poder Judiciário, do Ministério Público, do TCU [Tribunal de Contas da União], do Parlamento e da mídia burguesa. A repressão aos movimentos sociais do campo tem diversas formas: o pagamento de jagunços para atacar trabalhadores rurais (Daniel Dantas, no Pará), o uso da Polícia Militar em estados governados pelo PSDB (Yeda Crusius, José Serra e Aécio Neves), manifestações públicas de políticos reacionários (como o deputado Ronaldo Caiado e o presidente do STF Gilmar Mendes), perseguição aos programas de ministérios em assentamentos e a criação de falsos escândalos pela mídia burguesa. No final do ano, os "demos" [integrantes do DEM, Partido Democratas, antigo PFL] [Ronaldo] Caidado, Katia Abreu e Onyx Lorenzoni conseguiram criar uma CPMI contra a Reforma Agrária e o MST.

Adital - Na avaliação da senhora, qual a motivação do Congresso Nacional ao instalar a CPMI sobre o MST?

Marina dos Santos - Os três parlamentares do DEM do Arruda [José Roberto, governador do Distrito Federal, atualmente envolvido em caso de corrupção], com sustentação da bancada ruralista, criaram essa CPI para inviabilizar qualquer avanço da Reforma Agrária, destruir os movimentos sociais do campo e impedir a realização de lutas sociais pela classe trabalhadora. Já fomos investigados em duas CPIs nos últimos cinco anos, mesmo sem existir nenhum elemento novo.

Está em curso no Parlamento uma ofensiva do agronegócio contra a Reforma Agrária, com projetos para burocratizar a atualização dos índices de produtividade e a desapropriação de terras e a tentativa de destruir o Código Florestal para liberar a devastação ambiental. É uma ofensiva orquestrada para consolidar o modelo agrícola devastador e concentrador do latifúndio. Para isso, precisam desmoralizar e destruir o nosso movimento.

Adital - O que o Movimento pretende fazer com relação às investigações do legislativo, anunciadas para iniciar em 2010?

Marina dos Santos - Queremos aproveitar a criação dessa CPI, que coloca a Reforma Agrária no centro do debate político, para falar sobre os modelos que disputam a agricultura: o latifúndio do agronegócio e a agricultura familiar/Reforma Agrária. Os dados do censo agropecuário divulgados neste ano servem como ponto de partida. A agricultura familiar produz 70% dos alimentos e emprega 75% da mão-de-obra, em apenas 24% das áreas agricultáveis, onde gera 40% do valor bruto da produção.

Essa CPMI pode também investigar a grilagem de terras, a expansão de empresas estrangeiras na compra de terras no campo, a devastação ambiental pelo modelo do agronegócio, os repasses de dinheiro público para entidades do latifúndio (como a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, Serviço Nacional de Aprendizagem Rural, Organização das Cooperativas Brasileiras e Sescop). Também vamos monitorar essa CPI para denunciar toda e qualquer tentativa de criminalização dos movimentos sociais e da Reforma Agrária.

Adital - Qual a avaliação da senhora sobre as estratégias que o MST tem utilizado para dar visibilidade à reivindicação pela reforma agrária? Em que medida essas estratégias são repensadas?

Marina dos Santos - As nossas ações são resultado do acúmulo histórico do movimento camponês e da classe trabalhadora, que fizemos nos 25 anos do nosso movimento e na luta permanente pela Reforma Agrária. As ocupações de terras são formas de luta que começaram com os indígenas expulsos das suas terras, dos escravos em seus quilombos e das famílias de trabalhadores rurais sem-terra. Esse instrumento voltou a ganhar força com o trabalho pastoral da Igreja, no final da década de 70, ainda em plena ditadura.

Cerca de 70% dos assentamentos foram criados depois da pressão de ocupações de terra. Isso demonstra que sem organização dos trabalhadores rurais e a ocupação de terras não há Reforma Agrária. Nos últimos anos, a agricultura passou por uma grande transformação, com a consolidação do agronegócio, que é o casamento dos latifundiários capitalistas com grandes conglomerados internacionais para a produção de commodities para exportação. Assim, o latifúndio foi colocado a serviço de empresas transnacionais e do capital financeiro, enquanto trabalhadores rurais são expulsos do campo. A expansão do agronegócio impôs a paralisação da reforma agrária e das políticas em benefício da pequena agricultura. Por isso, passamos a fazer protestos para denunciar os efeitos sociais e ambientais do agronegócio.

Adital - Como a população brasileira percebe o MST atualmente? Essa percepção tem sido alterada ao longo desses 25 anos de atuação do Movimento?

Marina dos Santos - Em primeiro lugar, é difícil definir sem homogeneizar os diversos setores da sociedade na percepção sobre a luta do nosso movimento. Claro que aqueles que conhecem o MST sob a ótica da televisão terão uma percepção distorcida. Infelizmente, a cobertura da mídia não dá elementos para que a opinião pública tenha um juízo de valor correspondente à realidade dos trabalhadores rurais. Por isso, não lemos ao pé da letra as pesquisas de opinião sobre o nosso movimento.

Avaliamos que a melhor forma de mensurar a percepção do nosso movimento é analisando o comportamento das comunidades onde estão nossos acampamentos e assentamentos. As forças organizadas e os cidadãos que conhecem a vida dos homens e mulheres que fazem a luta pela Reforma Agrária dão apoio político ao nosso movimento. Mais do que isso, ajudam os nossos acampamentos nos momentos de dificuldades, contribuem materialmente com nossas lutas, ocupações e marchas e compram os alimentos produzidos nos nossos assentamentos. Sem o apoio do povo brasileiro, o nosso movimento teria sido destruído.

Adital - A Jornada Nacional de Luta pela Reforma Agrária acontece todos os anos, mesmo com todo o investimento negativo de certas mídias. Que resultados estas atividades têm apresentado?

Marina dos Santos - Todas as conquistas que tivemos foram resultado das nossas jornadas de lutas. Não podemos ver os avanços da Reforma Agrária como atos isolados, mas são resultados da luta permanente entre as classes no campo. De um lado, estão os latifundiários associados às grandes empresas, que defendem o modelo do agronegócio. Do outro lado, está a pequena propriedade e trabalhadores rurais sem-terra, que lutam pelo fortalecimento da agricultura familiar e da Reforma Agrária. Atualmente, a correlação de forças está favorável para o agronegócio e só temos conquistas por meio das lutas.

Adital - Como coordenadora de um dos principais movimentos sociais da América Latina, que avaliação faz dos avanços dos governos progressistas que resultam em iniciativas como a Alba? No que isso pode trazer de positivo para os movimentos sociais?

Marina dos Santos - As experiências dos países que fazem parte da Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (Alba), especialmente a Venezuela, Bolívia e Equador, são bastante positivas, porque estão implementando medidas que resgatam a soberania nacional, ampliam a democracia e beneficiam setores populares.

Para isso, tiveram que enfrentar os fortes interesses do imperialismo dos Estados Unidos e as elites associadas nos seus países. Isso demonstra que é possível e necessário enfrentar os interesses da burguesia associada ao imperialismo para fazer as mudanças sociais. E sem movimentos sociais fortes e a organização popular não é possível fazer mudanças estruturais, aprofundar as transformações e evitar retrocessos para o povo.

Terra nossa, liberdade!

Malditas sejam todas as cercas!
Malditas todas as propriedades privadas
que nos privam de viver e amar!
Malditas sejam todas leis,
amanhadas por umas poucas mãos
para ampararem cercas e bois e
fazer a Terra escrava, escrava
e escravos os humanos!

Outra é a Terra nossa, homens todos,
A humana Terra livre, irmãos!

Dom Pedro Casaldáliga

Elogio da Dialética

A injustiça passeia pelas ruas com passos seguros.
Os dominadores se estabelecem por dez mil anos.
Só a força os garante.
Tudo ficará como está.
Nenhuma voz se levanta além da voz dos dominadores.

No mercado da exploração se diz em voz alta:
Agora acaba de começar:
E entre os oprimidos muitos dizem:
Não se realizará jamais o que queremos!
O que ainda vive não diga: jamais!
O seguro não é seguro. Como está não ficará.
Quando os dominadores falarem
falarão também os dominados.
Quem se atreve a dizer: jamais?
De quem depende a continuação desse domínio?
De quem depende a sua destruição?
Igualmente de nós.
Os caídos que se levantem!
Os que estão perdidos que lutem!
Quem reconhece a situação como pode calar-se?
Os vencidos de agora serão os vencedores de amanhã.
E o "hoje" nascerá do "jamais".


Bertold Brecht